Júlio César na estrada do Equador - Arquivo Pessoal
Nuvens carregadas ameaçavam
chover a qualquer hora na tarde de hoje, mesmo assim, pego minha motoca em
busca de mais um personagem. Desta vez, indicado por Chango o dono da (El
pincel viajeiro). Pelas descrições do peruano, procuro um rapaz franzino, de
traços indígenas e com sotaque Castelhano/português e proprietário de um
lanche.
No bairro indicado, ninguém
o conhece, até que estaciono próximo a um comércio e pergunto: - Conhece algum
equatoriano?
Assustado, Júlio César
Hernandes, de 26 anos, respondeu que é equatoriano, e retribuiu minha pergunta
com um olhar de medo, curiosidade e esperança.
Tiro o capacete,
cumprimento-o, me identifico e pergunto se poderíamos conversar. Levou-me até a
sua casa que fica a poucos metros do rio Acre para mostrar como vive com sua
namorada, o que faz no Brasil e relatar a sua interessante história de vida.
Chegando a sua residência
humilde, cedida pelo sogro, me convidou para entrar e a chuva que ameaçava
cair, desabou por longas horas. Mesmo assim, começamos a papear, e ele disse
que enfrentou cinco dias dentro do ônibus para realizar um sonho em terras
brasileiras, ou melhor, nos gramados dos times do país; ser jogado do flamengo e
conhecido que nem o Zico.
Júlio é um famoso jogador
profissional de futebol. Em Guayaquil, cidade habitada por 85% da população
negra do Equador, jogou pelo Sociedad Desportivo Quito um dos times mais
famosos, depois da seleção equatoriana. Teve ainda participação na seleção do
Equador na categoria sub-20.
Antes de falar sobre sua
carreira e dos primeiros dribles no futebol, ele me explicou que seu pai também
era atleta e que vivia numa cidade litorânea, junto da sua mãe e mais quatro irmãs.
Com seu time aos 6 anos - Arquivo Pessoal
Pergunto sobre sua infância,
e apontando para a chuva, diz que o cheiro e o barulho das águas trazem boas
recordações como pescar ao lado do pai na beira do mar, das excursões que fazia
com os amigos em busca da onda perfeita e da água de Jamaica que pegava dos
coqueiros da serra.
Relatando sobre a viagem
para cá, contou que foram longas horas abordo do ônibus e que passou por
cidades estranhas e deslumbrou belíssimos cenários da natureza, como por
exemplo, o sobrevou de uma flamingo próximo a sua janela.
Mais calmo e empolgado, fala
da viagem para Argentina. Ao completar 18 anos e se revelando um craque,
embarcou e desvendou as terras de Cristina Kirchner em busca de oportunidades,
mas, sem sucesso.
De volta ao Equador,
trabalhou como barman em um hotel que pertencia a uma família Judia. Conheceu e
fez amigos da Alemanha, Brasil, França e Peru.
Conta ele que “um homem me
reconheceu na fila de emprego e elogiou meu trabalho como jogador de futebol. O
judeu, dono do estabelecimento, falou que não iria me contratar por não ter
perfil para a vaga. O homem que estava na fila comentou que eu era muito bom no
futebol. O judeu que gosta de futebol e tem um time mais que (não sabe jogar),
me convidou para jogar, no entanto, recusei porque anteriormente havia
frustrado na Argentina e o judeu me ameaçou dizendo que só me aceitaria como
barman se fosse jogar no seu time. Como era trabalho, e no Equador é difícil,
resolvi aceitar prontamente o emprego”, disse contando ainda que “depois de
contratado, todos os dias, os judeus falavam seus idiomas o que me ajudou a
compreender alguns costumes e crenças”.
O
desembarque em terras de Zico, Pelé e Ronaldo.
Depois de reacender a chama
no time do judeu, decidiu o equatoriano que precisava ir ao Brasil e vestir a
camisa de algum clube, tudo por influencias do seu pai e desejo de conhecer os
seus ídolos brasileiros.
Na primeira oportunidade,
Júlio com 23 anos, saiu do litoral na fronteira do Equador e Colômbia,
atravessou o Peru e chegou ao Brasil pelo Acre no final de setembro de 2009.
Foram longos dias dentro do ônibus (ele não tomou banho por cinco dias e só
comeu pequenos lanches).
Enfrentou uma saga para
receber a autorização e o visto no país. Ao chegar a em Xapuri, foi abordado
pela Polícia Federal ordenou retornar à Epitaciolândia para registra-lo no
sistema. Sem dinheiro, Hernanes deve que retornar a pé, mas por sorte,
conseguiu uma carona até a fronteira.
Típica pochete equatoriana - Foto: Wanglézio Braga
Peço que detalhe como a
cultura do seu país, rapidamente, corre até o seu quarto e trouxe consigo uma
bolsa contendo algumas miniaturas típicas do Equador. Entre os objetos
apresentado, uma pochete, que dentro dela havia um cordão preto e uma minúscula
bolsa vermelha.
Quando peguei o objeto,
disse ele que 'sentirá medo após contar a história do cordão vermelho'. Na hora
pergunto porque e responde que, "é comum nas aldeias indígenas do Equador,
extrair pedaços de ossos dos ancestrais para atrair sorte. Nesse que você
segura, carrego pedaços do dedo do meu avô", explicou rindo da minha
expressão facial.
Dentro da bolsa havia pedaços de ossos - Foto: Wanglézio Braga
Depois da explicação
macabra, mudei de assunto e perguntei o que ele mais acha de diferente no
Brasil. Ele respondeu que algumas expressões são bem parecidas do seu idioma e
outras um tanto inusitadas.
“Certa vez, esperava o
autobus (ônibus em português) juntamente com um colombiano, e duas mulheres
estavam próximas a mim, de repente, o ônibus se aproximou e gritei:- Vamos
colar a buceta! (Vamos pegar o ônibus!)”.
A reação das mulheres que
estavam próximas, não foi a melhor. Uma delas deu tapa no braço de Júlio, que prontamente
explicou que estava referindo-se ao ônibus. “Sem entender, todos rimos muito
até perder o ônibus”, esclareceu o vocabulário aparentemente chulo.
“Costumamos comer garapa de cana
que se chama “Panela” no Equador. Quando cheguei a Rio Branco fui ao
supermercado para comprar, infelizmente não achei. Pedi ajuda de um funcionário
que me levou a seção de panelas. Fiz cara feia, pedi uma caneta e um pedaço de
papel para desenhar o que queria. Ele trouxe e para a minha sorte, um rapaz que
estuda na Bolívia explicou que no Brasil chama-se “Rapadura ou Açúcar Mascavo
em barra” e não panela”, contou gargalhando.
Audácia
na cafeteria e sua amada namorada
Comentando sobre o assédio
das fãs e dos amores conquistados, o equatoriano revela que conheceu inúmeras
mulheres inclusive uma americana.
“Trabalhei em Guayaquil numa
cafeteria e lá cuidava de por café na xícara e entregava aos garçons. Num dia
de trabalho encontrei uma cliente americana que pediu café expresso e ficou
sentada aguardando. Ela era muito bonita, por minutos fiquei contemplando
aquela beleza norte-americana. Correndo o risco de perder o emprego, aprontei e
fui pessoalmente servi-la. Minha supervisora ficou muito chateada por essa
atitude, afinal, existem garçons para servir. Mesmo assim, falei para americana
que meu expediente terminava ás 9h e desejava muito conhecê-la. Ela concordou e
voltei ao meu setor onde recebi uma advertência”, relatou e continuou, “namorei
com ela por alguns anos onde aprendi falar inglês. Planejamos morar nos Estados
Unidos, mas isso não foi possível por causa da burocracia americana. Ela foi
embora e nunca mais nos falamos”, lembrou.
“Quando desembarque em Rio
Branco as pessoas diziam que encontraria mulheres bonitas. Atestei quando
conheci a minha atual namorada. Ela trabalhava num lanche no centro. Quando ela
passava pela Gameleira meu coração palpitava. Certa vez a encontrei numa festa.
Ela estava toda linda de cabelo encaracolado, maquiada e usava um batom que
chamava atenção. Apaixonei-me mais ainda nessa hora. De repente, passei a
visitar sua casa uma vez por semana e conversei com o seu pai sobre o nosso
namoro, estamos juntos alguns meses e espero continuar com ela, pois é
batalhadora, inteligente e bonita”.
Enfrentou
dificuldades e não esqueceu o futebol
No Desportivo Quito- Arquivo Pessoal
Sendo um jogador famoso em
seu país, Julio César, não teve muita sorte nos gramados brasileiros, ou seja,
ainda não alcançou a fama desejada. Os times de futebol acreanos não os
melhores do cenário nacional, mais foi que conseguiu por enquanto.
Contou que seu primo mora em
Minas Gerais, e por lá, tentou agendar uma reunião com caçadores de talentos
dos times mineiros, mas espera até hoje um contato dos contratadores.
No currículo, jogou uma
temporada pelo Vasco mais foi demitido por não ter conseguido regularizar os
documentos junto á embaixada. A regularização é um dos principais problemas que
ele enfrentou nos últimos anos (ele e muitos outros estrangeiros que chegam à
fronteira do Acre).
Contou que sua família
insistentemente – por telefone ou internet – por seu regresse ao Equador, ele responde
que “voltarei quando realmente conseguir os meus objetivos”, afirmou com muita
convicção.
Para sobreviver em solo
acreano, Hernanes trabalhou como barman e técnico de refrigeração, no entanto,
o preconceito por ser estrangeiro foi à causa das demissões. Por isso, resolveu
criar o próprio negócio e há três meses tornou-se um microempresário.
“Já que precisava trabalhar
em alguma coisa, resolvi montar o meu próprio negócio. Comprava os salgados e
revendia nas ruas. Como não deu certo, aprendi a produzir os lanche e abrir uma
lanchonete com ajuda do meu sogro. Junto com a minha namorada produzimos 60
salgados por dia. Graças a Deus os negócios estão indo muito bem”, contou.
Empolgado, me contou que
também trabalha com peças de artesanato, no entanto, por respeito à natureza e
a biodiversidade amazônica, não confecciona a arte.
Indago sobre sua carreira no
futebol, dos sonhos e do futuro. Suspirando, responde que “vou conseguir!
Passou alguns anos, estou me acostumando com a cidade e a cultura do povo brasileiro.
Corro diariamente pelas ruas, treino futebol com um grupo de pessoas e procuro
contatos. Deus está preparando algo de
bom na minha vida, eu creio!”.
Encerro a história de hoje
torcendo pelo sucesso de Júlio e resumo tudo que contei em duas citações. Uma do trecho da música do
Skank que reza; “Quem não sonhou em ser um jogador de futebol? Que emocionante
é uma partida de futebol”, e a outra de Clarice Lispector que diz; “Sonhe com
aquilo que você quiser. Seja o que você quer ser, porque você possui apenas uma
vida e nela só se tem uma chance de fazer aquilo que se quer”.