Bandeiras dos Estados do Acre e Rondônia |
Os Estados do Acre e Rondônia são tão próximos que podemos classificá-los
como irmãos. A cultura, a simplicidade dos seus habitantes, a riqueza da
gastronomia bem como os modelos econômicos adotados por ambos já são argumentos
suficientes para declararmos sua irmandade. Afinal, do que seria do estado do Acre
sem a mãozinha do irmão mais velho? Ou do que seria de Rondônia sem a história
de superação acreana ?
Mais não é somente nesses fatores que precisamos enxergar tal
parceria. Acre e Rondônia são ligados ainda pela solidariedade, dor e lamento. É
justamente de um tempo, porém, solidário que preciso relatar, pois a história
não pode ter um fim trágico como as cinzas de um prédio que veio a baixo por
causa de um acidente tenebroso.
Dia desses, folheando as edições do Jornal O Rio Branco mais
precisamente da década de 70, tomei conhecimento da morte de um personagem que a
atual sociedade não fala, mas que estampa nomes de ruas e até prédio educacional
na capital acreana, Rio Branco. Quando critico que a sociedade esqueceu-se dele
posso me incluir nesse grupo, até porque se não fosse o acaso de certeza não
estaria relembrando essa história. Na realidade, uma classe da população
acreana do passado foi ingrata com tal personalidade. E talvez a população dos dias atuais seja da mesma forma por falta de conhecimento.
Refiro-me de Lourival Sombra Pereira Lima, o professor acreano
nascido no seringal Catuaba em abril de 1933. Lourival fora levado ainda
pequeno, com nove anos, para a capital rondoniense, Porto Velho onde estudou na
escola Dom Bosco, dos salesianos. Um acreano que viu no esporte a melhor forma
de matar a saudade da família e dos bons tempos no seringal. Três anos depois os
pais exigiram seu regresso, mas além de trazer as malas ele trouxe também boas
habilidades com futebol e atletismo.
Cresceu e logo se casou com uma professora, Lacyra Teresinha
Mota de Lima. O matrimonio durou 14 anos e desse amor surgiu três filhas. A
vontade de aprender sempre foi o seu forte tanto que cursou Estudos Sociais na
primitiva Fundação Universidade Federal do Acre (FUFAC).
Lourival era professor de educação física, tinha um corpo
invejado por muitos, atleta e veloz nos campos de futebol. Foram adjetivos
suficientes para ministrar em quase todos os colégios da capital as aulas
desportivas. Fama essa que chegou ao estopim na educação quando se tornou
coordenador e professor de educação física da Campanha Nacional de Escolas da
Comunidade (CENEC) e do Colégio Humberto Soares.
Lourival Sombra não parou e foi técnico time dos alunos que
participaram dos Jogos Estudantis Brasileiros (JEBS) em Minas Gerais (MG),
Porto Alegre (RS), Brasília (DF) e Maceió (Al). No futebol sobressaiu como
zagueiro central e lateral-esquerdo dos grandes clubes de Porto Velho e de Rio
Branco integrando a seleção dos dois estados. Por Rondônia lutou pelo Flamengo
em 1956, Botafogo (RO), Independência (RO) e em 1958 a 1964 jogou pelo Rio
Branco Futebol Clube. Findou carreira como o técnico do Vasco da Gama do Acre. Não
satisfeito foi diretor dos árbitros de voleibol e do Futebol de Salão. Este é o currículo do memorável. Mas, será que
Rondônia e Acre resumiram suas interligações na vida de Lourival Sombra somente
no desporto? A resposta é negativa.
O relógio acusou 5h55mim de 27 de setembro de 1977. Uma manhã
da quinta-feira qualquer na Avenida 07 de setembro em Porto Velho mais
precisamente no Guaporé Palace Hotel. Um vazamento de um cilindro de gás na
cozinha causou a explosão do mais famoso hotel da cidade. Entre os inúmeros hospedes
estava Lourival Sombra o único que morreu instantaneamente em virtude da
explosão.
O relato do Jornal O Rio Branco daquela época deu uma
dimensão do sinistro. Conta o periódico mais antigo do Acre que os móveis foram
arremessados pelas portas e janelas do prédio, destroçando tudo que encontrava
pela frente. As grades de ferro foram arremessadas para um terreno baldio do
outro lado da rua. Uma dessas grades caiu nas proximidades do Cine Lacerda na
Rua Julho de Castilho. Na frente do Hotel havia dois carros; Chevrolet C-10
Azul (Placa AA 6333 de procedência PVH, de José Camacho dono do Hotel Guaporé
que dormia e saiu ileso do acidente) e um Volkswagen marrom-caramelo de placa
(AA4331 procedente de Rio Branco). Os automóveis foram arremessados para o alto e quando caíram ao solo ficaram com as traseiras suspensas. Um dos carros ficou
totalmente destruído.
O Jornal Guaporé relatou que na explosão, um cofre de 1ª tonelada
foi arremessado da parede para outro cômodo a três metros de distância. Uma
laje do prédio ao lado caiu e todos os móveis ao redor foram destruídos. O
corpo de bombeiros e a polícia técnica foram chamados no local para ajudar no
resgate. “Todos os meus negócios terminam assim, parece que ando pagando
os pecados de meus antepassados”, frase do Sr. Camacho dono do Guaporé Palace
Hotel ao Jornal Guaporé logo após o acidente.
Por lá, consideraram que alguém tinha se esquecido de
desligar a chave para evitar o vazamento de gás. Eles não cogitaram defeito no botijão que
pertencia a Sociedade Fogás LTDA. Uma equipe vinda de Manaus da própria Fogás
esteve horas depois no local para ajudar na perícia. Técnicos da Atlântica Boavista
Seguros também participaram das investigações.
Extraído da Edição do Jornal O Rio Branco de 28/10/1977 |
O acidente fez duas vítimas fatais. Lourival e um médico de
49 anos, DR. Libório Augusto Martins Alves que veio de Belém (PA). As copeiras,
Luzia de Sousa Costa e Maria de Sousa Rodrigues, e o gerente Arivaldo Brasil de
Brito foram internados no Hospital São José com ferimentos leves. O arrendatário
do hotel sinistrado Valter José Soares e o porteiro Domingos Rosário Leite foram
levados para Brasília (DF) em estado grave, mas sobreviveram. Já Eduardo
Joviniano Filho, 85 anos, foi vítima indireta do acidente. Ele morreu pisoteado
por populares que foram ajudar as vítimas da explosão.
O desporto de Acre e Rondônia chorou a trágica morte de
Lourival Sombra. A solidariedade também agiu de forma copiosa. Em Rio Branco, a
família de Lourival havia recebido um telefonema sobre a morte do esportista,
logo inúmeros taxistas mobilizaram para levá-los até PVH.
Vale citar que ele estava viajado para Porto Velho na segunda-feira (23)
para comprar as peças do seu automóvel mais prometeu que logo retornaria para o
Acre no mesmo ônibus que o levou para a Rondônia. Antes de embarcar, no dia 14
de setembro, recebeu alta médica depois de ter contraído uma infecção pulmonar.
Um dia antes do sinistro no Guaporé Palace Hotel, ele jantou
com o presidente do Flamengo, Eduardo Lima e Silva, o filho de Eduardo e Hélio
Guilhen que foi jogador de futebol. Sendo que Hélio insistiu que dormisse na
sua casa, mas Sombra recusou o convite. Os médicos legistas de Porto Velho,
segundo o Jornal, diagnosticaram a causa da morte como “fratura craniana com
hemorragia subdural”.
Recorte do Jornal O Rio Branco de 1977 |
O velório dele ocorreu em dois momentos. Um em Porto Velho
e outro em Rio Branco. Na capital de Rondônia ele foi velado ainda na pedra do
necrotério do Hospital São José. Como reconhecimento os amigos e os desportistas
rondonienses pagaram o caixão, as coroas de flores, pagamento do frete e passagens
para dois acompanhantes. Tudo isso pela bagatela de 20 mil cruzeiros.
O ato de generosidade, reconhecimento e amor pelo próximo foi
reconhecido por meio de nota enviado ao Jornal O Rio Branco e publicado na capa
do periódico pertencente ao Grupo Diários Associados de Assis Chateaubriand.
Em Rio Branco, dona Lacyra Teresinha temia que o corpo do seu
esposo estivesse dilacerado por causa da pressão da explosão, mas estava
intacto. A urna mortuária foi trazida no Boing da Aviação Cruzeiro do Sul, e
chegou às 8 horas da manhã de sexta-feira 28 no Aeroporto Presidente Médici. O
avião da Tavaj tinha se deslocado para essa finalidade, mais teve um problema
técnico na aeronave de Porto Velho decidindo a família do morto que a urna
viesse em aparelho comercial.
O velório durou sete horas e aconteceu na residência da
família localizada no bairro José Augusto próximo à quadra Ary Rodrigues. O
sepultamento ocorreu ás 16h25mim no cemitério São João Batista. Apesar de
famoso, poucos carros, alunos, colegas de trabalho, familiares, populares e
parentes compareceram ao cortejo fúnebre. O que não passou despercebido pela
imprensa que cobriu o fato. Inclusive a manchete do Jornal O Rio Branco informava
“Pouca gente na despedida de Lourival Sombra”. O governador do Acre, Omar
Sabino de Paula compareceu, assim como a diretoria Atleticana, o deputado
estadual Raimundo Melo e outros.
No cemitério comentava-se muito a transitoriedade da vida
para lembrar que nenhum dirigente da FAD e dos clubes pela qual ele jogou
compareceu ao enterro, a exceção de alguns dirigentes do Atlético. Mais o
estopim da deselegância aconteceu com o jogo entre Juventus x Atlético que
ocorreu no mesmo horário do enterro, o que evitou a presença de muita gente. A
diretoria do Atlético Acreano ainda propôs o adiamento da partida para as 19
horas que acontecia no Estádio do RBFC, mas a Federação não concordou porque “os
ingressos estavam vendidos”.
Em contra partida, em Porto Velho, o desporto tributou
grandes homenagens póstumas a Lourival Sombra, tendo o flamengo cedido a urna
mortuário como preito de reconhecimento que o finado fez pelo futebol, o
voleibol e a seleção rondoniense.
Em nota enviada ao Jornal O Rio Branco, a família agradece e
nomina todos os que tiveram a atitude da generosidade e compaixão. Entre os citados estão os amigos de Lourival,
comunicadores, veículos de comunicação (Impresso, Rádio e Tevê) e ex-jogadores.
“Eduardo Lima e Silva (Presidente do Flamengo); Srs. Eduardo
Lima e Silva Filho, Hélio Guilhen, Antônio de Matos, Normando Garcia, Gervásio,
Juquinha, Heraldo Guilhen, Bacu, José Dantas da Silva, Leovegildo Ferreira,
Antônio Gonzaga Sobrinho, Dodó, Nemetala, Ivan Luís (Eletricista), João Tavares
(Jornalista do Alto Madeira); Drs José Adelino da Silva e José Mário Alves,
Maria da Conceição Batista, TV Rondônia e Rádio Caiari, professores Raquel Lima
e Silva, Hermelinda Matos, Sras. Júlia de Oliveira Guilhen, Maria Isabel Lima e
Silva, Clodenira Almeida da Silva, e a todo o povo de Rondônia (...)
Sensibilizados ainda queremos agradecer ao gestor dos proprietários da Empresa
Ribeiro Irmãos, nas pessoas dos nossos amigos Otávio e Dilson Ribeiro, que espontaneamente
puseram a disposição para o transporte dos acompanhantes, um de seus
confortáveis ônibus; ainda agradecemos a todos os motoristas de táxis e
particulares que da mesma maneira operaram para o transporte dos acompanhantes”.
dizia a nota.
Portal de entrada da Escola em Rio Branco (AC) que leva o nome do desportista (foto Cedida) |
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