Realizou o sonho de conhecer a cidade e ainda ganhou uma boneca - (Foto: Wanglézio Braga)
Andando pelo
bairro da Base, avistei de longe, uma menina que se banhava com auxilio de uma
panela nas margens do rio Acre. Surpreso pelo tamanho da criança e pela
sincronia que ela agachava para pegar a água e passava a mão no rosto, tomei
coragem e me aproximei e avistei um senhor sentado, juntamente com outras
crianças enquanto uma mulher ao fundo fazia a comida. Muito curioso resolvi averiguar aquela
situação engraçada e divertida.
Mal sabia eu
que aquelas pessoas seriam protagonistas de uma história rica e reflexiva. Sem
dúvidas, a história do Sr. Raimundo Silveira do Nascimento, ribeirinho da
fronteira entre Brasil/Peru e da sua família, é de sentar na proa do barco e
tomar café de tão boa que ela é.
Em conversa rápida, ele contou que veio a Rio Branco, para cumprir uma promessa que fez há alguns dias a sua filha de nove anos.
O desejo da
menina morena de cabelos encaracolados e sorrisos largos era conhecer os prédios da cidade e andar pelas lojas do centro.
Sr. Raimundo,
que tem aproximadamente 40 anos, vem na capital uma vez no ano para fazer
exames no hospital e consultar com o médico especialista em coluna. Na última viagem,
levou consigo uma revista local onde havia fotos da cidade e do comércio
central.
Fascinada pelas
páginas da revista, a menina passou dias aperreando o pai para que a levasse até
a cidade. O grande problema é que não existe estrada na região, ou seja, eles
teriam que subir e descer o rio Acre, o que dura em média três dias e meio de
viagem e cinco para retornar.
Sr. Raimundo
prometeu e cumpriu. No finalzinho de maio, aproveitando que o rio estava secando, não
pensou duas vezes e preparou a viagem. Trouxe consigo a esposa Dona Carmem
(nova, digna de passagem), os três filhos homens (um já rapaz), uma sobrinha e
as duas filhas.
Apressado pedi para tirar uma foto dele com sua família, envergonhado ele não autorizou. Daí,
perguntei como foi à viagem, Raimundo respondeu que foi “difícil e perigosa,
porque nosso barco enganchou em galhos secos e encalhamos por causa dos bancos
de areia em alguns lugares e pegamos uma forte chuva”.
Perguntei em
seguida como se alimentam e dormem durante a viagem. Ele respondeu que por
questão de segurança param em diversas comunidades, dormem nas casas de
parentes que também são ribeirinhos e evitam navegar de noite por causa da
escuridão.
Esposa e dois filhos de Sr. Raimundo dentro do barco - (Foto: Wanglézio Braga)
Indaguei sobre
o tamanho da canoa para oito pessoas, ele respondeu que viaja apenas um dia com
ela e o restante faz no seu barco que está ancorado em uma comunidade.
Mesmo perplexo
com a coragem dessa família e surpreendido pelo caráter do ribeirinho, não
perdi tempo para refleti que ainda existe quem cumpra promessas. Prometer se
tornou algo tão corriqueiro como trocar de roupas, para ele virou sinônimo de desafio,
nobreza e honra.
Muitos podem
pensar que isso é algo banal, mas, para um senhor doente não foi. Ele provou
que, além de um bom nome, ir à capital de barco e apresentar o mundo para sua família
é gostoso de ver. Afinal, ele veio com pouco dinheiro o que ainda deu para;
levar sua filha ao mercado, ir ao médico e comprar algumas novidades.
Creio que para
Sr. Raimundo não existe presente maior do que realizar sonho de sua filha de andar
pelas ruas do centro e ainda presenteá-la com uma boneca. O sorriso pagou todos
os dias que ficaram no barco e dos perigos enfrentados.
A conversa estava tão boa que nem queria ir embora, mas, como estava de passagem pelo local e cheio de afazeres tive que terminar a conversa e me despedir.
Já de partida,
perguntei a menina, já vestida, o que ela mais gostou da viagem e a resposta não poderia
ser outra, “da minha boneca loira que peguei na loja grande”, respondeu ela
toda esnobe com a sua mais nova aquisição.
Desejei boa
viagem e pedi aos céus que abençoasse o retorno daquela família tão brasileira
quanto a minha, mas, invejavelmente corajosa.
Tiro de lição
que uma vez que tenha compromisso de honrar sua palavra, cumpra-o toda vez que
puder, especialmente quando for fácil. Haverá muitas vezes em não poderá, ou em
que isso será difícil. Se disser que vai ler uma história, faça isso. Se disser
que vai sair para um passeio, faça-o. Se disser que vai consertar a bicicleta
(e a casa não pegou fogo), faça isso.
Isso pode parecer um
exagero. Mas o exagero ajuda quando estamos tentando estabelecer um novo
comportamento para nós mesmos, especialmente quando estes comportamentos lutam
contra os nossos próprios desejos e limitações.
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